sexta-feira, 9 de maio de 2014

SOBRE O CAPITALISMO O COMUNISMO E OUTROS ISMOS.

 
... capi­ta­lismo & comunismo ficaram conhe­ci­dos pelo modo pra­ti­ca­mente oposto com que propõem-se a defender os mesmos prin­cí­pios de liberdade e de igualdade.

A capa­ci­dade humana de torcer o mais equi­li­brado e bem-intencionado dos discursos de modo a moldá-lo em fer­ra­menta de dominação e explo­ra­ção. O projeto que foi estudado à minúcia para garantir a justiça será fatal­mente usado para perpetuar o seu oposto. Nossa intenção de salvar acaba matando, e o sonho de remendar acaba rasgando. 

Num livro de 1995, Howard Bloom dá a essa tendência con­tra­di­tó­ria e irre­sis­tí­vel o nome de Princípio Lúcifer:

Um resultado: nossas melhores qua­li­da­des acabam des­per­tando o pior de nós. De nossa ânsia em reunir e con­so­li­dar vem nossa tendência a separar e destruir. De nossa devoção a um bem maior vem nossa propensão às mais vis atro­ci­da­des. De nosso com­pro­misso com ideais elevados vem nossa desculpa para odiar. Desde o princípio da história temos sido cegados pela capa­ci­dade do mal em assumir um disfarce de abnegação. Temos sido incapazes de enxergar que nossas qua­li­da­des mais admi­rá­veis conduzem-nos muitas vezes às ações que mais abo­mi­na­mos: assas­si­nato, tortura, genocídio e guerra.

Não será mero exagero ou retórica associar essa tendência (de usar o que é bom para perpetuar o mal) a Satanás, porque num sentido muito profundo essa tendência é Satanás. René Girard sugere algo parecido quando explica os meca­nis­mos de demo­ni­za­ção e de viti­mi­za­ção que mantem as soci­e­da­des ao mesmo tempo apa­zi­gua­das e injustas. Apegar-se a boas intenções que acabam pro­du­zindo terror e injustiça não é só coisa do diabo; esse processo, apa­ren­te­mente, é o próprio diabo, e não pode ser revertido ou con­tor­nado por qualquer discurso acessível aos homens. O capeta se esconde nos nossos sonhos mais elevados e nas demandas mais puras.

Jesus, o não-condicionado, apa­ren­te­mente não ignorava essas coisas, porque recusou-se con­sis­ten­te­mente a articular um discurso. Não chegamos a conhecer sua “proposta”, o reino de Deus, por algo além de com­pa­ra­ções e parábolas (que não permitem com­pre­en­são mais do que trans­ver­sal), e pela sua própria e irre­pre­en­sí­vel conduta. Grande parte da sua vida foi dedicada a denunciar e condenar os scripts ins­ti­tu­ci­o­nais de dominação, porém ele mesmo não rebaixou-se a sugerir um discurso subs­ti­tuto, porque sabia que qualquer ideologia pode ser (e será) usada como fer­ra­menta ide­o­ló­gica nas mãos de Satanás1.

O que Jesus deixou-nos como herança é o reino de Deus, um local ou condição que não pode ser ade­qua­da­mente descrito ou atingido. O reino está em perpétuo tornar-se, em perpétuo devir, e espreita “dentro de nós” e “entre nós” aguar­dando o momento de ver Satanás des­pen­cando como um relâmpago. O reino de Deus não pode ser fundado nem implan­tado nem arti­cu­lado nem encon­trado; só pode ser buscado, e diz-se que para os que o buscam — e para os tocados pela sua obsessão de dividir — todas as coisas serão acrescentadas.

NOTA 1: O que Jesus recusou-se a prover a igreja, natu­ral­mente, se dispôs a tabular e gra­ci­o­sa­mente oferecer, com a maior das boas intenções e os mais trágicos resul­ta­dos.

Trechos totalmente subversivos da:
by Paulo Brabo (@saobrabo)

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